Neste ano de 2014, trabalhei na produção do 1 Festival de Circo de Taquaruçu um distrito da capital Palmas no Tocantins. O Festival surgiu da vontade de apresentar às crianças envolvidas nos projetos dos KaCo profissionais do circo, espetáculos, para que pudessem ter experiências diversas nesse mundo lúdico e ao mesmo tempo exigente e disciplinador que é o circo. Assim, Circo Os KaCo, Trupe Trip Trapo de Goiânia, o Grupo Boca do Lixo de Anápolis, Circo Laheto de Goiânia, Circo Inventado de Brasília, a Cia Itinerante Tem Sim Sinhô, Mutamba Criativa, Ponto de Cultura Canto das Artes, Ponto de Cultura Casa da Árvore se juntaram para realizar o 1Festival de Circo de Taquaruçu.
Assim o fizemos, ocupamos boa parte da cidadezinha de quase 5 mil habitantes com palhaços, malabaristas, acróbatas, carro de som anunciando pela cidade os espetáculos, as oficinas nas escolas, na Casa do Artesão, no Ponto de Cultura Canto das Artes... tudo lindo!!
Daí um dia, eu caminhando por Taquaruçu em companhia do Palhaço Chulé e da Nathalia Kaule, parei um senhorzinho para perguntar como chegar numa escola que ia ter atividade do Festival. Ele estava ali, sentado à sombra de um pequizeiro de esquina, defronte à uma igrejinha matriz e ao lado de uma igreja Universal do Reino de Deus. O senhorzinho vendia abóboras kaputiá daquelas grandes bem alaranjadas.
Perguntei:
-O senhor sabe onde fica o Colégio Crispim?
e ele:
- Tá facinho é só seguir ali e virar a esquerda depois à direita. Logo no quebra mola chegou.
- Tá facinho é só seguir ali e virar a esquerda depois à direita. Logo no quebra mola chegou.
-Tá acho que entendi.Qualquer coisa pergunto. O senhor tá sabendo do Festival?
-Do circo?? Tô,tô vi uns malabaristas, um pessoal colorido por aí...
-O senhor gosta?
-Eu? Eu não, não a gente que é da igreja né, pode com essas coisas não.
Fiquei ali um pouco atônita, pensava em mil coisas para falar:
Fiquei pensando sobre essa cena e quanto mais pensei, menos respostas obtive. Resolvi buscar no livro Respeitável Público: o circo em cena, a Ermínia Silva diz que "A relação que o circo-família estabelecia com a Igreja Católica mostra que, apesar de os circenses não se circunscreverem a agrupamentos com características religiosas, raciais ou quaisquer outras, eram seguidores dos rituais da religião oficial do Brasil, naquele período. Procuravam sempre demonstrar que eram “comportados”, iguais aos “bons cidadãos” no sentido de “aplacar” a “ira” dos padres frente “a esses artistas sem família e sem moral”. Se, ao falarem de sua “adesão” à Igreja Católica evidenciam uma relação tensa, que não permite, inclusive, expressarem abertamente a possibilidade de usarem “de expedientes” para serem aceitos".
A cidade de Taquaruçu, ao meu ver, tem uma grande quantidade de igrejas neopentecostais. O que não me surpreende na fala daquele senhor é a associação entre circo/profano e igreja / sagrado que ele colocou em de tal forma que circo e igreja tornaram-se excludentes e incompatíveis.
Fiquei tão instigada com o tema que fui atrás da Alice Viveiros de Castro, em seu Elogio da Bobagem e encontrei narrativas interessantes sobre essa relação circo/ igreja na página 36:
"A Europa dos primeiros séculos da Idade Média não era o melhor palco para nenhum artista. Mas, pouco
a pouco, a própria Igreja vai incentivar a realização de autos e Mistérios, espetáculos que contavam a vida
de Cristo e dos santos, teatralizavam a Paixão, a vida dos Santos e passavam ensinamentos moralizantes.
No início, eram pequenas cenas representadas dentro das igrejas. Mas a coisa foi crescendo, tomou as ruas e, ao final, envolvia toda a cidade."
Já na página 90, a autora avança na linha histórica e nos demonstra que:
"As Artes Circenses chegaram ao Brasil com as caravelas. Os portugueses gostavam muito de comédias,
especialmente de arremedilhos e momos, espetáculos que mesclavam canto, dança e pantomima e que
tinham no humor dos graciosos o centro e sua estrutura dramática. [...] As Artes Circenses chegaram ao Brasil com as caravelas. Os portugueses gostavam muito de comédias, especialmente de arremedilhos e momos, espetáculos que mesclavam canto, dança e pantomima e que tinham no humor dos graciosos o centro e sua estrutura dramática."
Por fim, na página 117 Castro esclarece:
"Gente de circo sempre foi solidária e participativa. Viajando de cidade em cidade, procuram integrar-se
às comunidades visitadas criando laços e amizades. Tradicionalmente participam de inúmeros espetáculos
beneficentes com renda para ajudar na construção de hospitais, creches, reformas de igrejas e cedem
milhares de ingressos gratuitos a escolas, orfanatos e projetos sociais.
Essa relação do circo com o profano instiga várias reflexões sobre o fazer humano fora da igreja.